O que eu já passei
Ainda só vamos com mês e meio em linguagem de gente e a minha mãe já só se queixa que a roupa não lhe serve, que tem a cara cheia de borbulhas, que lhe doem os meus futuros biberons favoritos, que está cansada, que tem sempre sono e que está sempre enjoada com vómitos apesar de até agora ainda não ter vomitado. Para além da fome permanente, claro. Não admira que a roupa não sirva.

Eu devo ser mesmo uma grande chatice e até agora é só trabalho, desvantagens e mau-estar. Não sei se alguma vez vai melhorar. Já para não falar da minha provável data de nascimento porque isso é que a tira mesmo do sério. Acho que no fundo, no fundo, ela ainda não está convencida e continua a achar que isto é tudo um grande engano e não pode correr bem.

Tinha eu umas míseras duas semanas e levei na mesma altura com uma radiografia em cima e com um monte de antibióticos. Ela tinha a certeza absoluta que eu não existia, que era impossível eu existir e por isso é que fez o que fez. O meu pai é que tinha razão. Quando o dentista perguntou se podia tirar a fotografia ele não queria mas a minha mãe disse que podia à vontade... Eu sei que não foi por mal, ela tinha mesmo motivos para nem duvidar da minha existência. Bem, só sei que se eu não existir ela tem outro problema: está mesmo muito gorda!
@ 6:26 da tarde

 
O meu pai
Ainda quase não falei dele mas tenho a certeza que o meu pai vai ser o melhor do mundo. Também acho que ele está mais contente que a minha mãe. Pois, pudera, não é ele que está a passar por este mal-estar quase permanente nem que se arrisca a passar o Natal ou a passagem de ano internado num Hospital. Mas ele é mesmo muito fixe. Ontem deu-me montes de beijinhos. Na verdade, deu montes de beijinhos na barriga da minha mãe mas eu sei que eram para mim e gostei muito. Ainda não consigo é comunicar com ele para lhe dizer isso mesmo mas mais daqui a uns tempos a gente chega lá. Espero que a gente se venha a dar muito bem porque eu já sei que ele me adora desde o momento em que soube que eu existia.
@ 1:03 da tarde

 
Só nós 3 é que sabemos
Eu sei que até já vos mostrei a minha primeira fotografia mas na verdade essa não conta. E enquanto não tivermos outra, daquelas todas cinzentas em que se vê mesmo que eu existo, os meus pais não querem dizer a mais ninguém. Até agora não tem sido díficil. Apesar de termos andado bastante enjoados de há 2 semanas para cá, não são daqueles enjoos de ir a correr para a casa-de-banho por isso acho que ninguém desconfia. Sim, porque se ela está enjoada, eu também estou que ando aqui às voltas dentro da barriga dela e isto não é nada fácil. Os outros sintomas são relativamente controláveis, mais ninguém a não ser o meu pai, está em casa para saber que ela passa a vida cheia de sono, com dores no peito a fazer lembrar as dores de crescimento, que se levanta 2 vezes por noite para fazer xixi ou que dorme mal desde há não sei quantos dias. Acho que isto deve ter tudo a ver não é? Felizmente para ela que durante o dia está tudo bem. Só tem é fome mas isso tem sempre!
@ 12:58 da tarde

 
E vão 6
Pelas contas da minha mãe, faço hoje 6 semanas. Pelas mesmas contas devo nascer dia 31 de Dezembro. Percebem agora porque é que ela não queria acreditar que fosse verdade quando desconfiou que eu existia? Porque de todos os meses do ano, este era precisamente o único em que ela não queria, de todo, que isto acontecesse. isto sou eu!

E ela nem sequer pode culpar o meu pai porque eu lembro-me bem desse dia, apesar de ser bem pequenino, e sei que a "culpa" até foi dela. Tantas contas, tantas contas, que de certeza não podia acontecer e voilá, aconteceu mesmo. Vá lá saber-se como e porquê mas estas coisas não têm explicação.
@ 12:54 da tarde